sexta-feira, 11 de julho de 2008

De dentro dágua.


— Borboleta nasce na água? Não: borboleta nasce em árvore, dentro daquelas cobertinhas.
— Tira o dedo da boca, menina.
A menina nem ouve.
— E menino, nasce na água? Meu irmãozinho chorão responde que “não, não, não”. Digo que ele está certo. Como será que ele coube, todinho, dentro da minha mãe?
— Você não escuta? Tira o dedo da boca. Quer roer a unha até o sabugo, quer?
A menina pensa, olha longe, além.
— Quê, mãe?
— Nada. Vamos, vamos embora.
Ela se levanta, de dedo na boca. A mãe seca o pequeno, a menina se seca sozinha. Os três seguem para fora da casa, o menino no colo e a menina de mãos dadas às da mãe. Despedidas e mais despedidas, apertos.
Na saída a menina encontra os primos adolescentes abraçados. “Te amo”, ele diz. “Também te amo”, devolve a jovem. Mãos em torno dos corpos, beijos.
— Já vai, tia?
— Sim, o moleque está que não pára de chorar. Deve ser sono.
— Até outro dia, então.
— Até.
A menina ainda olha, abobalhada, os carinhos e beijos dos dois: “nojento”. A mãe lhe aperta a mão, devolvendo-lhe os passos. “Rápido, vamos”, ela diz, e puxa a garota.
Táxi rodando, o menino berrando. “Deus, me acuda! Silêncio, meu filho, silêncio. Algum lugar te dói, hein? É o ouvido? Diz pra mãe, diz.” A garota observa as casas, as ruas, os outros. De repente vem o sinal, na esquina um casal de mãos dadas atravessa para o outro lado.
— Mãe, o amor nasce onde? Na água, é?
A mãe não ouve. “Quieto, filho, quieto.” A menina não insiste pois percebe a impaciência da mãe. Para as descobertas da vida, menina, ainda há tempo, muito tempo ainda há.
O sinal abre e o táxi segue ininterruptamente pelas ruas.


(Texto: Leonardo/Fotografia:Amanda)