sexta-feira, 25 de julho de 2008



O cigarro é uma maneira disfarçada de suspirar...
Mario Quintana


Se não fossem os joões, as marias nunca se arranjariam?
Nossa Maria é solteira convicta: não aceitou João porque não queria imposições, queria mesmo era Pedro. Com João, nada feito. Maria então ficou pra tia. E não subiu aos céus de corpo e alma: continua virgem convicta. Maria deixou Jesuânia e hoje vive num casebre em São José do Alegre, no interior das Gerais. Maria tem um burrinho que a leva sempre à cidade quando necessário, planta, colhe, vende o que colhe na feira de domingo, faz faxina, prega botões, cose e é meio feliz, pois Homem lhe falta em casa, e muito.
(Quem souber de um pedro qualquer,
pode escrever
para a Rua da Consagração
número 33,
à Maria Auxiliadora que quer de Pedro amor e compreensão.)

sexta-feira, 11 de julho de 2008

De dentro dágua.


— Borboleta nasce na água? Não: borboleta nasce em árvore, dentro daquelas cobertinhas.
— Tira o dedo da boca, menina.
A menina nem ouve.
— E menino, nasce na água? Meu irmãozinho chorão responde que “não, não, não”. Digo que ele está certo. Como será que ele coube, todinho, dentro da minha mãe?
— Você não escuta? Tira o dedo da boca. Quer roer a unha até o sabugo, quer?
A menina pensa, olha longe, além.
— Quê, mãe?
— Nada. Vamos, vamos embora.
Ela se levanta, de dedo na boca. A mãe seca o pequeno, a menina se seca sozinha. Os três seguem para fora da casa, o menino no colo e a menina de mãos dadas às da mãe. Despedidas e mais despedidas, apertos.
Na saída a menina encontra os primos adolescentes abraçados. “Te amo”, ele diz. “Também te amo”, devolve a jovem. Mãos em torno dos corpos, beijos.
— Já vai, tia?
— Sim, o moleque está que não pára de chorar. Deve ser sono.
— Até outro dia, então.
— Até.
A menina ainda olha, abobalhada, os carinhos e beijos dos dois: “nojento”. A mãe lhe aperta a mão, devolvendo-lhe os passos. “Rápido, vamos”, ela diz, e puxa a garota.
Táxi rodando, o menino berrando. “Deus, me acuda! Silêncio, meu filho, silêncio. Algum lugar te dói, hein? É o ouvido? Diz pra mãe, diz.” A garota observa as casas, as ruas, os outros. De repente vem o sinal, na esquina um casal de mãos dadas atravessa para o outro lado.
— Mãe, o amor nasce onde? Na água, é?
A mãe não ouve. “Quieto, filho, quieto.” A menina não insiste pois percebe a impaciência da mãe. Para as descobertas da vida, menina, ainda há tempo, muito tempo ainda há.
O sinal abre e o táxi segue ininterruptamente pelas ruas.


(Texto: Leonardo/Fotografia:Amanda)

quinta-feira, 10 de julho de 2008

É quando bate o amor

É quando bate o amor. Nessas horas dá vontade de voltar a ser moleque-pé-no-chão, quando se corria atrás de pipa em terreno baldio, quando se metia o joelho na cerca de arame farpado, quando tudo é um quase nada, a vida não passa daquilo, disso, soltar pião na terra, bola de gude e caçapa, jogar baralho na porta de casa até tarde, bola no gol e mulher na arquibancada, a trave é de dois chinelos, numa mistura meninos e meninas correm pela rua, livres.
Quando bate o amor quero ser moleque-pé-no-chão.


Outro canto da imagem.
Palavra-Leonardo Fernandes Paiva
Fotografia- Amanda Bigonha